Simplicidade Divina



Conteúdo de vídeo: https://youtu.be/qW-7dlsUZes

O intuito deste artigo é promover de alguma forma a visão propriamente católica da simplicidade divina, explicada por São Tomás de Aquino.

O QUE SE ENTENDE POR SIMPLICIDADE DIVINA

Quando tratamos da simplicidade divina devemos entender que: em Deus não há composição.
Reconhecemos então que Deus é ato puro, o primeiro motor imóvel.

O QUE QUER DIZER ATO PURO

"Ato puro" quer dizer que tudo que Deus é, Ele é em ato, nunca em potência. Ele, propriamente falando, não "tem" algo, mas tudo aquilo que vemos como "atributos divinos" se identificam com a sua essência.

Assim diz a Sagrada Escritura:
«Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.»
(1Jo 4,8)

Ou seja, Deus não tem amor, mas ele é amor. 
Assim explica o sínodo de Reims:

«Acreditamos e confessamos que Deus é a natureza simples da divindade, e que não pode ser negado em nenhum sentido católico que Deus é divindade, e divindade é Deus. Além disso, se for dito que Deus é sábio por sabedoria, grande por magnitude, eterno por eternidade, um por unidade, Deus por divindade e outras coisas semelhantes, cremos que Ele é sábio apenas por aquela sabedoria que é o próprio Deus; que Ele é grande apenas por aquela magnitude que é o próprio Deus; que Ele é eterno somente por aquela eternidade que é o próprio Deus; que Ele é um somente pela unidade que é o próprio Deus; que Ele é Deus somente por aquela divindade que Ele mesmo é; isto é, que Ele é sábio, grande, eterno, um Deus de Si mesmo.»
(Papa Eugênio III - Sínodo em Reims, art.1, dz antigo 389)

SE EM DEUS HÁ POTÊNCIA PASSIVA

São Tomás de Aquino trata sobre essa questão na Suma Contra os Gentios (Volume I, Livro I, Cap.XVI)

Vamos reconhecer aqui "potência passiva" como "potência para o ser", ora, se Deus é ato puro é evidente que não se pode lhe acrescentar potência passiva, pois não pode o primeiro motor imóvel sofrer modificação, se assim fosse, Deus poderia se tornar algo que ele não é.

«Além disso, assim como a coisa está apta para agir enquanto está em ato, também é apta para ser possível enquanto está em potência, pois o movimento é o ato do ser em potência [III Física 1, 201a; Cmt 2, 285]. Mas Deus é absolutamente imutável e impassível, como ficou esclarecido acima. Logo, nada tem de potência passiva.»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVI, art.5)

Ora, o movimento é ir de potência a ato, e tudo que se move é movido por outro. É logicamente impossível retroceder infinitamente no número de moventes e movidos, portanto reconhecemos que é necessário um primeiro motor que não seja movido por nenhum outro. Se Deus tivesse potência passiva, ele teria que ser movido por outro, assim não seria o primeiro motor.
Conclui-se que: Deus não tem potência passiva.

SE EM DEUS HÁ MATÉRIA

Pelo fato de Deus ser ato puro já se deduz que não pode ter matéria, uma vez que a matéria é naturalmente potência [SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVII, art.1]. Além do mais, a matéria é movida, mas nunca princípio de ação, donde resulta que Deus, que é princípio de ação, e não é movido, não pode ser material.

«Além disso, a matéria não se torna causa de alguma coisa em ato senão enquanto ela sofre alteração ou mudança. Por conseguinte, se Deus é imóvel, como acima [Cap. XIII] foi provado, de nenhum modo pode ser causa das coisas, como matéria. Além disso, a fé católica professa como verdade que Deus criou todas as coisas não de sua substância, mas do nada.[nihilo]»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVII, art.4)

SE EM DEUS HÁ COMPOSIÇÃO

Assim diz São Tomás de Aquino, em seu Compêndio de teologia:

«Ademais, deve haver algo anterior ao ser composto, porque as causas que atuaram na composição lhe são anteriores. Por conseguinte, é impossível que aquilo que antecede a todos os seres seja composto.
Considerando, agora, a ordem dos seres compostos, vemos que os seres mais simples são anteriores, porque os elementos são anteriores aos corpos mistos. Mais ainda: entre esses elementos, o primeiro é o fogo, que é simplicíssimo. Anterior, porém, a todos os elementos é o corpo celeste, constituído que está em maior simplicidade, porque é livre de contrariedade. Segue-se, então, que o primeiro dos seres é absolutamente simples»
(CT, Cap.IX, art.2-3)

Não é possível haver composição sem ato e potência, logo, por tudo já apresentado, se conclui que em Deus não há composição.

«Além disso, todo composto é posterior aos componentes. Logo, sendo Deus o primeiro ente, não é composto de coisa alguma.»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVIII, art.2)

«Além disso, todo composto está em potência para a dissolução em razão da própria composição, embora em alguns haja elementos aversos à dissolução. Ora, o que é dissolúvel está em potência para o não ser. Mas tal não acontece em Deus, porque Deus é, por essência, o ser por necessidade. Logo, não há, em Deus, composição alguma.»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVIII, art.3)

Também se deve entender que para todo composto há um compositor. Ora, se Deus fosse composto, não poderia ser o compositor de si mesmo, pois nada é causa de si. Portanto, Deus não é composto.

«Além disso, em qualquer gênero, uma coisa é tanto mais nobre quanto mais simples for. Por exemplo: no gênero do calor, o fogo é o mais nobre, porque não tem mescla alguma de frio. Ora, o que está colocado na suprema nobreza de todos os entes, necessita também de estar na suprema simplicidade. Com efeito, ao que está na extrema nobreza de todos os seres denominamos Deus porque é a causa primeira, e a causa é mais nobre que os efeitos. Logo, não se lhe pode atribuir composição alguma.»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XVIII, art.5)

Da mesma maneira se conclui que Deus não é corpo, pois se fosse corpo precisaria ser composto, o que se prova inválido.

DEUS É A SUA ESSÊNCIA

«A essência de cada coisa é aquilo que a sua definição significa. Há sempre identificação entre a essência e a coisa definida, a não ser que, acidentalmente, entre na definição algo que não pertença à própria definição, como, por exemplo, à definição própria de homem, isto é, animal racional e mortal, se acrescente o qualificativo brancura. Animal racional e mortal diz o mesmo que homem, mas brancura não é o mesmo que homem enquanto é branco.
Nas coisas nas quais não se encontram as duas determinações, uma que lhe seja essencial, e outra, acidental, as essências identificam-se totalmente com elas. Ora, ficou demonstrado acima que Deus é simples, não podendo, portanto, haver n'Ele uma determinação essencial e outra acidental. Logo, em Deus, a essência identifica-se totalmente com Ele.
Ademais, quando uma essência não se identifica totalmente com a coisa de que é essência, encontra-se nela algo de potência e algo de ato, pois a essência refere-se à coisa, de que é essência, como forma; assim como, por exemplo, a humanidade refere-se a homem. Ora, em Deus não há composição de ato e potência, mas Ele é ato puro. Logo, é a sua própria essência.»
(CT, Cap.X, art.1-3)

Qualquer ser que não for a própria essência, deve necessariamente ter algo extrínseco à essência, portanto deve ser composto.
Levando em consideração tudo que falamos até aqui, deve-se entender portanto que Deus é a própria essência.

«Além disso, aquilo que não é a sua própria essência, a esta se refere segundo algo dela, como a potência ao ato. Donde a essência também ser significada como forma, por exemplo, humanidade. Mas não havendo em Deus potencialidade alguma, Deus é necessariamente a sua essência.»
(SCG, Vol I, Lv I, Cap.XXI, art.5)

SE EM DEUS SE IDENTIFICA ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA

Deus é, não somente a sua essência, mas também a sua existência, o que se pode provar de muitos modos. Primeiro, porque tudo o que existe num ente, sem lhe constituir a essência, deve ser causado pelos princípios desta, como acidentes próprios resultantes da espécie. Assim, a faculdade de rir resulta do ser humano e é causada pelos princípios essenciais da espécie. Ou, então, deve ser causado por algum ser exterior: assim, o calor da água é causado pelo fogo.
Por onde, sendo a existência mesma do ente diferente da sua essência, é necessário seja essa existência
causada por algum ser exterior, ou pelos princípios essenciais do referido ente. Ora, é impossível seja ela causada somente pelos princípios essenciais deste, pois, nenhum ente de existência causada é suficiente para ser causa da sua própria existência. Portanto e necessariamente, o ente cuja existência difere da essência, há de ter aquela causada por outro ser. Mas, isto não se pode dizer de Deus, pois, ele é a causa eficiente primeira. Logo, é impossível que, em Deus, a existência seja diferente da essência. Segundo, porque a existência é a atualidade de toda forma ou natureza; assim, a bondade ou a humanidade não são atuais senão quando as supomos existentes. Necessariamente, pois, a existência está para a essência, da qual difere, como o ato para a potência. Ora, Deus nada tendo de potencial, como demonstramos, resulta que a sua essência não difere da sua existência e, portanto, são idênticas.
Terceiro, porque, assim como o que tem fogo, sem ser fogo, é ígneo por participação, assim também o que existe, sem ser a existência, existe por participação. Ora, como já estabelecemos, Deus é a sua essência. Se, portanto, não for a sua existência, será ser por participação e não, por essência. Logo, não será o ser primeiro, o que é absurdo. Por conseqüência, Deus é a sua existência e não somente, a sua essência. 
[ST, I, art.3, q.3]

SE EM DEUS HÁ ACIDENTES

«Se em Deus todas as perfeições unem-se numa só realidade, e à sua perfeição pertencem a existência, o poder, o agir, etc, é necessário que tudo n'Ele se identifique com a sua essência. Conseqüentemente, nenhum acidente há em Deus. Ademais, é impossível que um ser seja de perfeição infinita, se algo puder ser acrescido a essa perfeição. Se um ser tem alguma perfeição acidental, e como todo acidente é acrescido à essência, é evidente que alguma perfeição lhe foi acrescida à essência. Essa essência, portanto, não é de perfeição infinita. Ora, vimos que Deus, na sua essência, é de perfeição infinita. Logo, nenhuma perfeição lhe pode ser acidental, mas tudo que n'Ele existe pertence à sua própria substância. Chega-se à mesma conclusão partindo-se da consideração da suprema simplicidade divina, de que Deus é ato puro, bem como da consideração de que Ele é o primeiro dos seres. Da simplicidade, pois toda união de acidente com o sujeito é um modo de composição. De que Deus é ato puro, porque o que é sujeito de acidente não pode ser ato puro, já que o acidente é uma certa forma, ou ato, do sujeito. De que Deus é o primeiro dos seres, porque aquilo que existe por si é anterior àquilo que existe por acidente.»
(CT, Cap.XXIII, art.1-3)

Convém reconhecer que a substância pode existir sem acidentes, portanto não haveria nenhuma contradição no fato de Deus não ter acidentes.

SE DEUS ESTÁ EM ALGUM GÊNERO

Deus não pertence a nenhum gênero pois, o gênero é, racionalmente, anterior ao seu conteúdo. Ora, nada é anterior a Deus, nem material nem racionalmente. Logo, Deus não pertence a nenhum gênero.

MOTIVOS PELOS QUAIS DEUS É ABSOLUTAMENTE SIMPLES - SUMA TEOLÓGICA

Santo Agostinho afirma "que Deus é verdadeira e sumamente simples". [VI de Trinit]
 
Que Deus seja totalmente simples se pode provar de várias maneiras: 
 I. Pelo que precede. Como em Deus não há composição nem de partes quantitativas, pois não é um corpo; nem de forma e de matéria, nem distinção de natureza e supósito; nem de essência e ser; nem composição de gênero e diferença, nem de sujeito e de acidente, fica claro que Deus não é composto de nenhuma maneira, mas totalmente simples. 
 2. Porque todo composto é posterior a seus componentes e dependente deles. Ora, Deus é o primeiro ente, como já foi demonstrado. 
 3. Porque todo composto tem uma causa. Assim as coisas que por si são diversas não conformam uma unidade, a não ser por uma causa que as unifique. Ora, Deus não tem causa, como foi demonstrado, sendo a primeira causa eficiente. 
 4. Porque em todo composto, há de existir potência e ato, o que não há em Deus, porque, ou uma das partes é ato em relação à outra, ou pelo menos as partes se encontram todas em potência com respeito ao todo. 
 5. Porque todo composto é algo que não coincide com qualquer de suas partes. Isto é manifesto nas totalidades formadas de partes dessemelhantes: parte nenhuma do homem é o homem, e nenhuma parte do pé é o pé. Por outro lado, nas totalidades de partes semelhantes, embora algo que se diz do todo, se diga da parte, por exemplo: uma parte do ar é ar, uma parte da água é água, no entanto, algo diz-se do todo que não convém a alguma das partes; assim se toda água mede dois côvados, não se segue que cada parte também o meça. Por conseguinte, em todo composto existe algo que com ele não se identifica. Embora isso se possa dizer do que tem forma, a saber, que nele existe algo que não é ela (como em algo branco existe algo que não é da razão de branco), contudo, na forma nada existe de estranho. Daí que, como Deus é forma, melhor dizendo, é o mesmo ser, de maneira alguma pode ser composto. Hilário assinala essa razão em seu livro A Trindade quando diz: "Deus, que é poder, não comporta fraquezas; sendo luz, não admite obscuridade".
(ST, I, q.3, art.7)

CITAÇÕES SOBRE A SIMPLICIDADE DIVINA

«Portanto, visto que, a seu ver, o divino é simples e existe acima de toda composição (e essa sua visão está correta), sua vontade nada mais é do que ele mesmo. E se alguém diz “vontade”, ele indica a natureza de Deus Pai.»
(São Cirilo de Alexandria - Diálogos sobre a Trindade (Ad Hermiam) , livro V; SC 237 (de Durand, ed.), p. 290; PG 75, 945 C.)

«Cremos firmemente e confessamos sinceramente que um só é o verdadeiro Deus eterno e imenso, imutável, incompreensível, onipotente e inefável, Pai e Filho e Espírito Santo: três pessoas, mas uma só essência, substância ou natureza absolutamente simples.»
(IV Concílio de Latrão, DZ.800)

«Eis a posição da fé evangélica e apostólica e da tradição normativa: enquanto professamos que a santa e inseparável Trindade, isto é, Pai, Filho e Espírito Santo, é de uma só divindade, de uma só natureza ou substância ou essência, proclamamos também que ela é de uma só vontade natural, uma só força, operação, domínio, majestade, poder e glória. E qualquer coisa que seja dito, quanto à essência, a respeito da mesma santa Trindade, instruídos nisto pela doutrina normativa, queremos entendê-lo no singular, como [dito] da única natureza das três pessoas consubstanciais.»
(Papa Agatão - Carta Consideranti mihi)

«Portanto, pela razão absoluta de seu ser mesmo, só existe um ser único e simplicíssimo, que é Deus; todas as outras coisas que participam do ser mesmo tem uma natureza pela qual o ser é limitado e são compostas de essência e ser como de dois princípios realmente distintos.»
(Decreto da S. Congregação dos Estudos, sob o pontoficado de São Pio X - Teses confirmadas da filosofia tomista, tese 3)

«Acreditamos e confessamos que Deus é a natureza simples da divindade, e que não pode ser negado em nenhum sentido católico que Deus é divindade, e divindade é Deus. Além disso, se for dito que Deus é sábio por sabedoria, grande por magnitude, eterno por eternidade, um por unidade, Deus por divindade e outras coisas semelhantes, cremos que Ele é sábio apenas por aquela sabedoria que é o próprio Deus; que Ele é grande apenas por aquela magnitude que é o próprio Deus; que Ele é eterno somente por aquela eternidade que é o próprio Deus; que Ele é um somente pela unidade que é o próprio Deus; que Ele é Deus somente por aquela divindade que Ele mesmo é; isto é, que Ele é sábio, grande, eterno, um Deus de Si mesmo.»
(Papa Eugênio III - Sínodo em Reims, art.1, Diz antigo 389)




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