Divórcio e novo casamento na igreja ortodoxa (Apologética Católica)

 


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Os cristãos ortodoxos costumam ensinar que o casamento pode ser dissolvido pelo adultério, assim como pela morte, permitindo o divórcio pela primeira causa, e mais dois novos casamentos possíveis (três no total); enquanto a Igreja Católica ensina que um matrimônio válido só pode ser dissolvido pela morte, não havendo limites essenciais para a quantidade de casamentos posteriores, também reconhece a separação (física) por causa de imoralidade (como adultério) mas sem que se possa casar novamente enquanto uma das partes estiver viva.

O debate que existe acerca desse assunto entre os Pais da Igreja costuma gerar bastante confusão, e dificilmente se vê alguém que o trate com a devida seriedade; na maioria das vezes é resumido a um lado tentando provar que a opinião do outro nunca existiu. Resumidamente, o assunto sobre a indissolubilidade do casamento sempre gerou certa confusão entre os primeiros autores cristãos, não sendo, até então, matéria de fé definida. Santo Agostinho acreditava em uma doutrina que é, na prática, idêntica à Católica, e mesmo que ele não acreditasse compreender suficientemente os mistérios do matrimônio, a acusação da oposição de que ele não teria muita dificuldade em aceitar um segundo casamento por não considerá-lo um "pecado grave" é simplesmente vã, uma vez que isso deve ser entendido como uma simples diminuição da gravidade:

Também não se pode afirmar com razão que um marido que repudia sua esposa por causa de fornicação e se casa com outra não comete adultério. Pois também há adultério da parte daqueles que, depois de repudiarem suas ex-mulheres por causa de fornicação, se casam com outrasEste adultério, no entanto, é certamente menos grave do que o dos homens que se despedem de suas esposas por motivos diversos da fornicação e tomam outras mulheres [...] sem dúvida falamos a verdade. Mas não absolvemos desse crime o homem que se casa com uma mulher que foi demitida por causa de fornicação. Não temos a menor dúvida de que ambos são adúlteros. De fato, declaramos adúltero aquele que dispensa sua esposa por causa que não seja fornicação e se casa com outra, nem assim defendemos da mancha desse pecado o homem que dispensa sua esposa por causa de fornicação e se casa com outraReconhecemos que ambos são adúlteros, embora o pecado de um seja mais grave que o do outro. Ninguém é tão irracional a ponto de dizer que um homem que se casa com uma mulher cujo marido a rejeitou por causa de fornicação não é um adúltero, enquanto sustenta que um homem que se casa com uma mulher demitida sem base em fornicação é um adúltero. Ambos os homens são culpados de adultério (Santo Agostinho - De Coniugiis Adulterinis, 1, 9, 9; J. Zycha 1900, Vienna Corpus, Vol. 41)

Outros autores, como São Justino Mártir, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Atenágoras de Atenas parecem impróprios para serem citados no debate, uma vez que vários destes parecem sustentar doutrinas sobre a indissolubilidade matrimonial que nem católicos nem ortodoxos aceitariam em hipótese alguma, como a de que o matrimônio não pode ser dissolvido nem mesmo pela morte. Especialmente o caso de Orígenes pode ser debatido. O Pastor de Hermas também não parece ser muito útil para o diálogo, uma vez que se trata de um texto apócrifo e suspeito de heresia, apesar de ter uma "autoridade histórica" e sustentar uma doutrina muito semelhante à católica.

Um escritor que parece assumir a mesma posição que os ortodoxos é Lactâncio, por isso mesmo ele não deve, ao contrário do que alguns fazem, ser usado em defesa da doutrina católica sobre o matrimônio:

[...] a esposa não seja repudiada a menos que seja condenado por adultério, e que o vínculo do pacto conjugal nunca seja dissolvido, a menos que a infidelidade o tenha quebrado. (Lactâncio - Epítome, 66)

Por outro lado, um autor que os ortodoxos tentam tomar para si é São Teodoro da Cantuária, usando como base um Penitencial que é datado de quase dois séculos após seu nascimento, provavelmente escrito nos reinos francos. Não preciso me demorar muito para explicar como isso é irrelevante, ainda mais considerando o Concílio de Hertford, que foi um Sínodo na Inglaterra, relatado por São Beda, que teve a presença de São Teodoro:

Apenas um casamento legítimo é permitido a qualquer pessoa; que ninguém cometa incesto. Nenhum homem pode abandonar sua esposa, exceto, como ensina o santo evangelho, por causa da fornicação. Mas, se alguém expulsou sua mulher unida a ele em casamento legítimo, se ele quiser ser cristão por direito, não se una a outra mulher, mas permaneça solteiro ou reconcilie-se com sua própria esposa. (Concilium Herudfordense, C.10)

O próprio São Beda escreve sobre a indissolubilidade do matrimônio:

Para que uma esposa seja demitida, há apenas uma causa carnal e essa é a fornicação e há apenas uma causa espiritual que é o temor de Deus, como se lê que muitos fizeram por motivos religiosos. Mas não há causa permitida pela lei de Deus pela qual um homem possa se casar com outra mulher enquanto a esposa que ele abandonou ainda estiver viva. (São Beda - In S. Marcum X)

O Concílio de Cartago, sínodo regional aceito pelos ortodoxos, uma vez que o Sínodo de Trullo o cita no seu segundo cânon; e pelos católicos, uma vez que o Papa São Zacarias o citou em resposta aos francos sobre o divórcio três séculos depois, diz:

Parece bom que, de acordo com a disciplina evangélica e apostólica, um homem que havia sido repudiado de sua esposa, e uma mulher repudiada de seu marido, não deveria se casar com outro, mas assim deveria permanecer, ou então ser reconciliado um com o outro. Mas se eles rejeitarem esta lei, eles serão forçados a fazer penitência, caso em que devemos solicitar que uma lei imperial seja promulgada(Concílio de Cartago, C.102 )

São Jerônimo é comumente aceito como defensor da posição católica, sendo poucos os ortodoxos que discordam disso, e mesmo as discordâncias se mostram geralmente muito fracas. O mesmo vale para São João Crisóstomo, que escreve:

E todo aquele que se casar com uma mulher divorciada deve ser castigado (Mateus 5:32). Quando, então, lhe será permitido contrair um segundo casamento? Quando? Quando ela for libertada da corrente, quando o homem morrer. [...] Mas, dizendo que ela foi libertada após a morte do marido, ele mostra que ela havia sido escrava enquanto o marido ainda estava vivo; mas ela é uma serva e sujeita à lei, mesmo que receba uma certidão de divórcio mil vezes, ela será obrigada pela lei do adultério. Pois os servos podem, de fato, mudar de senhor enquanto estão vivos, mas não é permitido que uma esposa mude de marido enquanto ele ainda está vivo: pois isso seria adultério. Não leia para mim as leis criadas por estrangeiros, aceitando a emissão de certidão de divórcio. Pois Deus não vai julgar você naquele dia segundo eles, mas segundo os casos que ele mesmo determinou. (São João Crisóstomo - In Illum Locum, Patrologia Grega 51, original a seguir)



Sabendo que o assunto sobre o divórcio não parece ter sido definido dogmaticamente nos primeiros séculos da Igreja (lembrando que o Sínodo de Roma, que teoricamente teria aprovado o divórcio, não representava a disciplina geral ou o pensamento comum dos romanos ao longo dos séculos, e nem foi impositivo para toda a Igreja, portanto, não simboliza um erro grave), um Concílio Ecumênico poderia impor uma doutrina sobre o assunto posteriormente; e assim nós católicos vemos o Concílio de Trento, que não é aceito pelos ortodoxos. Nossa argumentação poderia terminar por aqui, e isso já seria suficiente para iniciar um debate sério, mas vamos prosseguir para questões ainda mais práticas.

Os ortodoxos costumam acusar a nulidade matrimonial, ensinada pela Igreja, de ser uma espécie de "divórcio católico", mas a legislação católica é muito clara ao ensinar quando um matrimônio simplesmente nunca existiu, sendo considerado nulo, não permitindo a dissolução do vínculo matrimonial; se em algum momento algum tribunal eclesiástico abusou das lei canônicas, a igreja não pode ser julgada por isso. Por outro lado, a indissolubilidade do matrimônio nas igrejas ortodoxas orientais se tornou, como explica o Padre Martin Jugie "mera e vazia denominação", uma vez que ela se desfaz, canonicamente, não apenas por causa do adultério, vejamos:

A partir do século IX, as causas do divórcio que a muito haviam sido inseridas pelo imperador Justiniano I na Novella (indulto) CXVII Consignato Nomocanoni, foram colocadas em prática pela Igreja Bizantina; certos preceitos desse tipo de legislação logo foram alterados em detrimento do vínculo matrimonial, e uma nova causa de dissolução foi introduzida pelos imperadores, não com protesto, mas com o consentimento da igreja. Alguns canonistas ortodoxos (como Demétrius Chomatenus, em "De Divortio") elogiam Justiniano por este indulto sobre as causas do divórcio, e prontamente admitem que a Igreja Oriental lhe deu o poder da lei: «Este indulto, diz Milasch, foi inserido nos títulos do século x Nomocanon xiv. Assim, os preceitos nele contidos receberam autoridade pública e força de regra na Igreja Oriental para todas as causas relativas ao divórcio. Mas outras causas de dissolução, que foram posteriormente introduzidas tanto na lei bizantina quanto na prática eclesiástica, dependem de uma interpretação mais livre deste indulto e de uma adaptação a casos particulares.» (Canonista ortodoxo Demétrius Chomatenus - De Divortio, ed.Grega, p.896)

Curiosamente, neste mesmo século o Papa João VIII respondia ao Arcebispo da Cantuária sobre o divórcio, dizendo:

Para aqueles homens que, como você diz, abandonam suas esposas contra o preceito do Senhor, ordenamos que o marido não deixe sua esposa ou a esposa deixe seu marido, exceto por fornicação. Se um deles se foi por esse motivo, cada um deve permanecer solteiro ou reconciliar-se, pois o Senhor diz: 'o que Deus uniu, não o separe o homem'. Portanto, como um marido não pode abandonar sua primeira esposa com quem se uniu em casamento legítimo, também não é permitido, por qualquer motivo, tomar outra esposa enquanto sua primeira esposa ainda estiver viva. Se ele fizer isso e não se corrigir, então deve ser excluído da comunidade da Igreja  (Papa João VIII - Patrologia Latina 126.746)

Mas prosseguindo, as causas do divórcio são devidamente indicadas no indulto de Justiniano, nove são listadas: 1º Não revelar uma conspiração contra o imperador se a mulher não tiver contado a seu marido deste tipo: uma conspiração bem conhecida por ele, o marido pode legalmente exigir o divórcio; o mesmo é concedido à mulher, se o marido tiver participado ou sido cúmplice da conspiração e não o tiver revelado; 2º Adultério de mulher comprovado judicialmente. Um homem que comete adultério é apenas punido; 3° Se o marido se deixou intrigar pela castidade da mulher, a fim de a fazer adulterar com outro, a mulher pode pedir a dissolução do casamento; 4° se um deles tramou a vida do outro, ou se não contou ao outro as tramas preparadas pelo terceiro, das quais tem conhecimento; 5° se a mulher, involuntariamente ou contra a vontade do marido, se banquetear com estranhos ou se lavar; 6° se o marido tiver acusado falsamente a esposa de adultério; 7° Se a mulher, involuntariamente ou contra a vontade do marido, tiver permanecido fora de casa (mas não com os pais), ou tiver frequentado os teatros, os espetáculos do hipódromo, etc.; 8° Se o marido, quer na mesma casa, quer na mesma cidade, coabitar oficialmente com o outra, e duas vezes avisado pelos pais da mulher ou por outros, não cai em si; 9° Se um dos cônjuges permanecer por certo período de tempo no cativeiro do inimigo.

A última causa de divórcio me dá a oportunidade para que eu faça uma citação de São Leão Magno:

Como então você diz que, através dos desastres da guerra e das penosas incursões do inimigo, as famílias em certos casos foram tão divididas que os maridos foram levados para o cativeiro e suas esposas permanecem abandonadas, e estas últimas pensando em seus próprios maridos ou mortos ou provavelmente nunca serão libertados de seus mestres, contraíram outro casamento sob o estresse da solidão e, agora que o estado de coisas melhorou com a ajuda do Senhor, alguns daqueles que pensavam ter perecido retornaram, você parece, querido irmão, naturalmente em dúvida o que deve ser resolvido por nós sobre mulheres assim unidas a outros maridos. [...] se alguma mulher estiver tão possuída pelo amor de seus últimos maridos a ponto de preferir permanecer com eles do que retornar a seus parceiros legais, elas serão merecidamente marcadas: de modo que sejam privadas até mesmo da comunhão da Igreja; pois em um assunto perdoável eles escolheram se contaminar com o crime, mostrando que buscaram seu próprio prazer em sua incontinência, quando uma restituição legítima poderia ter obtido seu perdão. Que voltem então ao seu estado anterior e façam reparação voluntária, nem que aquilo que uma condição de necessidade extorquiu deles seja de forma alguma transformado em desgraça por maus desejos; porque, como aquelas mulheres que se recusam a voltar para seus maridos devem ser consideradas profanas, então aquelas que retornam a uma afeição iniciada com a sanção de Deus devem ser merecidamente elogiadas. (São Leão Magno - Carta nº 159)

Todas as causas deste tipo ao longo de toda a época bizantina, isto é, do final do século IX até o século XV, foram recebidas na Igreja Bizantina; a que outras, ao longo do tempo, foram sucessivamente acrescentadas, a saber: 1º Defloramento da noiva antes do casamento, manifestado pelo marido imediatamente após ter investigado o assunto; 2° Sodomia do marido; 3° O ódio da esposa para com o marido por causa das injúrias e indignidades recebidas 3° O ódio do marido contra a esposa por causa de defeitos físicos, astuciosamente escondido da esposa; inimizade mútua implacável pela suspeita de infidelidade ou concebida em outro lugar, tornando a coabitação intolerável e perigosa; 4° Aborto obtido pela esposa apesar da vontade do marido; 5° Ausência do outro cônjuge por cinco anos sem aviso prévio da parte ausente; 6° Entrada de um dos cônjuges na vida religiosa, consagrada; 7° Adultério do marido por três anos e adultério da esposa por cinco anos; 8° Disparidade de culto ou religião mista ocorrendo após o contrato de casamento; 9° Consanguinidade espiritual proveniente da recepção própria à descendência da pia batismal. Do século XVI até nossos dias, as causas já enumeradas prevaleceram no Patriarcado de Constantinopla; mas algumas outras, não mencionadas nas antigas fontes do direito bizantino, foram ali recebidas na prática, a saber: 1º quem sofre de doença grave da mente ou do corpo, e não apenas loucura, paralisia ou fraqueza dos membros, cegueira, falta de menstruação na mulher, impotência da mulher para cumprir os deveres conjugais, especialmente se o marido consentir com o divórcio, etc. ; 2° grave incompatibilidade de caráter e costumes entre homem e mulher; 3° Consentimento mútuo como causa suficiente de divórcio quando é reconhecido pela igreja; 4° A deserção de um cônjuge pelo outro por três anos.


Antes de Pedro, o Grande, a prática do divórcio na Igreja Russa era geralmente regida pelos estatutos recebidos dos bizantinos e gregos. Houve, no entanto, algumas particularidades e exceções. Assim apresentaram as causas da dissolução: 1º o esbanjamento da fortuna da mulher pelo marido; 2º crueldade com a esposa; 3° bestialidade; 4° esterilidade de uma mulher. A doença após o casamento não foi considerada uma causa suficiente. Além disso, um abuso gravíssimo surgiu do costume, pelo qual todo padre recebia uma carta de divórcio por parte de suas esposas, e todo abade para a vida monástica ao outro cônjuge seria permitido dar-lhe a tonsura como sinal de consentimento. Desde o século XVIII, não só esse abuso foi erradicado, mas mesmo o número de causas de divórcio, conforme observado no Korm-tchaia Kniga, foi bastante reduzido. Até pouco tempo atrás, apenas três fundamentos para o divórcio propriamente dito eram aprovados no tribunal do Sínodo Governante, a saber: 1º O adultério de qualquer dos cônjuges homologado judicialmente; 2º Ausência de um dos cônjuges por cinco anos (a partir da lei de 14 de janeiro de 1895) com falta de todas as informações sobre a ausência; 3° Rebaixamento para a Sibéria (do qual a lei distinguia três tipos) por causa de algum crime grave. Em tempos mais recentes, diz Suvorov, o Sínodo Governante dissolveu os casamentos por outras razões. Além disso, o costume de exigir o divórcio por meios extraordinários sempre prevaleceu na Rússia; isto é, por um mandado de execução ao imperador, a quem os juristas alemães deram o poder de dissolver casamentos.

A partir do ano de 1908, porém, uma nova lei sobre o divórcio foi aprovada pelo Sínodo; que foi finalmente promulgada no "grande sínodo de toda a Igreja Russa", realizado em Moscou em 1917-1918. Um duplo decreto foi emitido, um em 20 de abril de 1918 e outro em 2 de setembro do mesmo ano. Em virtude do primeiro decreto, como fundamento suficiente para requerer divórcio da igreja, que teria por si mesma o poder de dissolver o casamento (direito reivindicado pelo sínodo russo), existem, além da impotência física precedente: 1° abandono da fé ortodoxa por qualquer dos cônjuges; 2°. O adultério, de um ou de ambos os cônjuges, desde que não tenha sido cometido deliberadamente por mútuo consentimento para obter a dissolução do casamento. A tentativa de novo casamento, assim como os vícios contrários à natureza, como a sodomia, são equiparados ao adultério, assim como a prostituição praticada com fins lucrativos; 3° Mutilação voluntária após o casamento tornando um dos cônjuges inapto para a vida conjugal; 4° Lepra; 5° Doença sifilítica; 6° A ausência do outro cônjuge contínua por três anos completos, ou por dois anos apenas, se a perda de notícias for razoavelmente presumida em decorrência de guerra ou colapso ou outra calamidade pública; 7° Condenação à pena da condição anterior e perda dos direitos civis; 8° Na vida de um cônjuge ou filho, uma emboscada ou uma ameaça; também lesões graves, feridas, golpes infligidos ao cônjuge ou filho. A estas causas foram acrescentadas as seguintes por outro decreto: 1º Loucura incurável impeditiva da vida conjugal; 2º Deserção dolosa de um dos cônjuges pelo outro devidamente descoberta e verificada por tribunal eclesiástico. As razões para a obtenção do divórcio mais frequentemente reclamadas e recebidas pela autoridade eclesiástica são sobretudo duas, a saber, a ausência silenciosa de três anos, e a deserção malévola, que, já no segundo mês após a advertência pública anunciada em algum comentário ou jornal eclesiástico, pode ter seu efeito.

A prática dos búlgaros, sérvios e romenos nesta matéria é geralmente adaptada à norma observada no patriarcado ecumênico. Entre os búlgaros, segundo a lei de 21 de março de 1897, ocorrem as seguintes particularidades: As causas do divórcio são 1° Ausência do marido por quatro anos; 2° O desperdício dos bens da família por embriaguez; 3° Recusa obstinada da esposa em regressar à vida comum, após três anos de separação do marido, não justificada por motivo plausível.

Uma vez casados, especialmente no caso de adultério, outros casamentos eram comumente proibidos; mas com o passar do tempo, em muitos lugares, desceu da antiga severidade. A permissão é concedida ao culpado para contrair um novo casamento após um certo período de tempo, isto é, depois de ter cumprido a penitência canônica e dado os sinais da emenda.

Como explicam os canonistas dissidentes uma tão clara transgressão da lei estabelecida por Cristo: O que Deus uniu, o homem não separará? Eles dizem que as palavras da Escritura sobre a dissolução do vínculo matrimonial por morte natural ou por adultério não devem ser tomadas literalmente, mas também devem ser entendidas metaforicamente e estendidas a casos relacionados à morte ou adultério. Com efeito, além da morte natural e física, há a morte civil, e há a morte espiritual; além do adultério realmente cometido, há o adultério pressuposto; cujas diferentes espécies e modalidades podem ser distinguidas. Também não há dissidentes entre eles que admitam francamente que a Igreja ignorou ou condenou expressamente a antiga prática do divórcio, mesmo em caso de adultério. De fato, se você examinar cuidadosamente os documentos da antiga lei canônica relacionados ao nomocanon bizantino, encontrará algo que exclui completamente o divórcio e apoia o ensinamento católico sobre a indissolubilidade absoluta do casamento.

Sabe-se que alguns padres orientais, sobre o segundo e outros casamentos, falaram com muita severidade. São Basílio compara o terceiro casamento à fornicação (mopvela). No entanto, o segundo e terceiro casamentos foram tolerados pela Igreja Bizantina; mas no passado uma certa impiedade foi imposta, e a coroação foi negada. O terceiro casamento, no entanto, a partir do ano 920 era absolutamente proibido. É conhecida a história da controvérsia que se alastrou em Bizâncio desde o ano 907 até o ano 920 por causa do quarto casamento do imperador Leão VI, e só ficou completamente adormecida no ano 996. É claro que ficaríamos completamente calados sobre isso se o patriarca de Constantinopla, Nicolau, o Místico, tivesse alguma vez afirmado, ou pelo menos aparentado afirmar, que o quarto casamento era proibido pela lei divina. O resultado lamentável dessa disputa foi um novo cisma entre as igrejas romana e bizantina; mas o fruto do exílio, chamado tomus da união, ὁ τόμος τῆς ἑνόσεως, foi promulgado em 920 em um certo concílio de Constantinopla, pelo qual o quarto casamento foi estritamente proibido sob as penas mais severas, sem a possibilidade de qualquer dispensa por parte de a Igreja sendo negada, mas sim subjugada. O Romano Pontífice finalmente concordou com este volume no ano 923 para o bem da paz, certamente com algumas exceções, das quais, embora não tenhamos nenhuma evidência histórica, podemos conjeturar algo com razão.

O tomo da união foi registrado em todas as coleções canônicas dos greco-russos e preservou a força da lei até hoje. Mas isso não impediu que, com o passar do tempo, casos de quarto casamento ocorressem com frequência nas igrejas ortodoxas, especialmente entre os russos. No século XVI, em Moscou, repetiu-se o que havia acontecido com os bizantinos no século X. 
Aconteceu por ocasião do quarto casamento de João IV. Pois a carta do Metropolita de Moscou sobre este casamento é preservada, pela qual o czar é intimado com penitência canônica por seu quarto casamento, e ao mesmo tempo é anátema decretado a todos aqueles que pretendem contrair um quarto casamento. Embora a tetragamia, desde 1649, também fosse proibida pela lei civil dos russos, ainda em 1767 o Sínodo Dirigiu várias retribuições, depois dissolveu o noivado de má fé, e deu permissão ao cônjuge de boa fé, que já não era casado, para contrair novo casamento. Também entre os gregos e sérvios, não há um único documento sobre a dissolução dos quartos casamentos ou a proibição deles novamente.

A legalidade dos casamentos após o primeiro e do quarto em particular foi tratada com os gregos, por ocasião da união de Lyon (1274). Pois no texto latino da Profissão de Fé de Clemente IV Miguel Paleólogo, serão encontradas as seguintes proposições: "mas a lei diz que, dissolvido o casamento pela morte de um dos cônjuges, são admissíveis os segundos e terceiros casamentos e depois os sucessivos, se houver impedimento canônico por outro motivo." É estranho, porém, que na versão grega da mesma profissão de fé seja feita apenas menção ao segundo e terceiro casamentos. Da mesma forma, no texto grego da Profissão de Fé enviada pelo Patriarca João de Veca ao Papa João XXI em 1277, a tetragamia é silenciosa, enquanto isso é mencionado novamente no texto latino da Confissão do Imperador João V em 1369, perante os legados de Urbano V, foi recitado; o que dificilmente pode ser explicado de outra maneira senão pelo fato de que a menção do quarto casamento nos documentos no idioma grego foi deliberadamente omitida, para que os oponentes da união da disciplina do Papa não tivessem uma brecha para protestar contra. Aqui, notamos que o rigorismo obstinado dos greco-russos em proibir o quarto casamento é estranhamente conflitante com sua frouxa facilidade em permitir os divórcios.


CONCLUSÃO

Mesmo sendo o casamento tão grandemente protegido por Deus, não podendo o homem separar o que Ele uniu, a igreja ortodoxa criou uma violação constante desta lei por tantos motivos que o contrato matrimonial, elevado por Jesus Cristo à dignidade de sacramento, aparece ali como uma das convenções sociais menos estáveis e mais fáceis de quebrar. Em 542, o indulto 1170 de Justiniano já reconhecia cinco ou seis causas de divórcio. Mas não parece que a Igreja Bizantina tenha adotado essa legislação antes da segunda metade do século IX. De fato, notamos que no final do século VI, o sínodo de Trullo não se refere a ela em nenhum lugar e que seus cânones são, pelo contrário, bastante favoráveis à doutrina católica da indissolubilidade.

A que deixou o marido é adúltera se veio para outro, de acordo com o santo e divino Basílio, que extraiu isso da maneira mais excelente do profeta Jeremias: Se uma mulher se tornou de outro homem, seu marido não voltará para ela , mas sendo contaminada, ela permanecerá contaminada e, novamente, aquele que tem uma adúltera é insensato e ímpio. Se portanto, ela parece ter se afastado do marido sem motivo, ele merece perdão e ela, punição. E o perdão será dado a ele para que ele possa estar em comunhão com a Igreja . Mas o que deixa a mulher que lhe foi dada legalmente, e casa com outra, incorre em adultériopela sentença do Senhor. (Sínodo de Trullo - C.87)

Foi somente no final do século IX, no momento em que a influência da Igreja Romana se tornou quase nula no Oriente e quando a separação foi praticamente consumada, que a Igreja Bizantina institucionalizou oficialmente esta prática. As causas do divórcio apresentadas por Justiniano são aceitas, outras são acrescentadas sucessivamente por iniciativa dos imperadores ou dos patriarcas ecumênicos, de modo que no século XV o direito canônico bizantino poderia enumerar cerca de vinte deles. Longe de diminuir no período moderno, sua lista ainda aumentou em mais quatro ou cinco casos.

A essa prática se opõe absolutamente ao comum da Igreja primitiva, como reconhece o canonista russo Suvorov: «a relação conjugal só se rompe com a morte de um dos cônjuges.» (Souvorov, curso de direito canônico, pág. 382)


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