Em defesa dos Papas: Nicolau I, Marcelino, Libério.
Conteúdo de vídeo: https://youtu.be/wUygJzZRBpQ
Não é muito raro de se ver os inimigos da igreja objetarem contra a vida dos Bispos de Roma; mas há um tipo de acusação especial que é mais perigosa que as outras: a acusação de Heresia.
Neste artigo pretendemos exclarecer algumas acusações feitas contra os Papas Nicolau I, Marcelino e Libério.
SÃO NICOLAU I E O BATISMO EM NOME DE CRISTO
A objeção consiste no seguinte:
O Papa Nicolau I teria ensinado heresia, ao propor o batismo somente em nome de Cristo, quando diz:
«Se, de fato, foram batizados no nome da santa Trindade, ou só no nome de Cristo, como lemos nos Atos dos Apóstolos [2,38; 19,5] (é a mesmíssima coisa que expõe santo Ambrósio), é claro que não devem ser de novo batizados» (DZ 646)
Resposta:
Se nós supormos que São Nicolau I não estava falando da intenção do ministro do batismo, coisa que pode ser facilmente questionada, pois logo em seguida ele diz:
«se bem que cremos que não se deva deixar de lado o que o bem-aventurado Agostinho diz do batismo “Temos já mostrado suficientemente que para o batismo que é santificado pelas palavras do Evangelho, o erro do ministro ou do destinatário não tem importância alguma, se ele pensa a respeito do Pai ou do Filho ou do Espírito Santo diversamente do que ensina a doutrina celeste”(Santo Agostinho - De baptismo)» (DZ 646)
Ainda assim, deve-se assumir que as opiniões sobre a referida fala de São Nicolau I tendem a ter uma reação mais positiva por parte de alguns teólogos, nunca o acusando de heresia.
Mas assim diz São Tomás de Aquino:
«Por uma especial revelação de Cristo, os Apóstolos, na primitiva Igreja, batizavam em nome dele; a fim de o nome de Cristo, odioso aos judeus e aos gentios, se tornar estimado por ser, à sua invocação, conferido o Espírito Santo no batismo.
Ambrósio dá a razão porque convenientemente essa dispensa podia ser dada na primitiva Igreja. E é porque pelo nome de Cristo se entende toda a Trindade. E assim se observava ao menos numa integridade inteligível, a forma que Cristo transmitiu no Evangelho.
O Papa Nicolau confirma o seu dito pelas duas autoridades precedentes. E por isso a resposta se deduz das duas primeiras soluções.» (ST III, q66, art.6)
(Sei que se você é preconceituoso com números, já deve estar ficando doido, mas por favor, mantenha a cabeça no lugar)
Deve-se também notar que São Nicolau I não falou sobre o batismo em nome de Cristo enquanto autoridade magiaterial, mas enquanto teólogo privado, uma vez que a carta em que ele escreveu sobre o assunto foi uma carta particular respondendo aos búlgaros.
Se fosse-mos dizer por isso que São Nicolau I cometeu heresia, teríamos também que acusar de heresia o Concílio de Nirmes, que diz que o batismo em nome de Jesus Cristo é válido, além da própria opinião de São Tomás, que acreditava numa revelação particular e momentânea para que se batizasse em nome de Cristo.
Ora, São Nicolau I estava tratando de uma resposta privada, e a julgar pela sua santidade, é insustentável se pensar que ele não estivesse disposto a submeter o seu juízo à Igreja, coisa que, de acordo com Santo Afonso Maria de Ligório, é nescessário para que alguém seja considerado, de fato, herege.
Portanto, se ele errou, não é facilmente sustentável que ele cometeu erro grave.
Antes de mais nada, devemos aplicar a doutrina exposta pelo Papa Sisto IV:
«Segundo a lógica da doutrina Teológica, qualquer proposição [do Sumo Pontífice] que contenha em si um significado duvidoso deve sempre ser compreendida no sentido no qual se torna uma afirmação verdadeira» (Papa Sisto IV - Romani Pontificis provida)
SÃO MARCELINO COMETEU APOSTASIA?
Objeção:
O Papa Marcelino cometeu um ato de apostasia ao oferecer incenso aos deuses pagãos.
Resposta:
As obras que relatam essa suposta apostasia, e depois uma remissão, são em especial o Liber Pontificales e o Passio Marcellini, fora dos quais não há qualquer menção ao chamado “Sínodo de Sinuessa” que seria o Sínodo protagonista dessa história. O mesmo Sínodo é tido, por vários historiadores, como historicamente falso.
Quando questionados sobre o assunto da apostasia de São Marcelino, e outros prelados da igreja, Santo Agostinho respondeu que:
«Pois agora você vai mencionar os bispos que você costuma acusar [...] sobre os quais nós, de nossa parte, costumamos responder: ou você falha em sua prova, e por isso não diz respeito a ninguém; ou você consegue e ainda não se preocupa conosco. Pois eles carregaram seu próprio fardo, seja bom ou ruim; e realmente acreditamos que foi bom.» (Santo Agostinho - Carta Contra Petiliano, Livro II, 208)
Além do mais, mesmo São Roberto Belarmino, que acreditava na apostasia de São Marcelino, afirmou que o fez apenas por medo, concluindo que não foi deposto do pontificado.
O CASO DE SÃO LIBÉRIO
O caso deste Pontífice é de longe o centro de nossa argumentação, o que se deve principalmente ao fato de que ele é o mais desprezado, chagando até mesmo a ter a sua santidade como que ocultada pelos seus oponentes.
Existem aqueles que o vêem como um apóstata, que teria condenado imediatamente Santo Atanásio quando pressionado pelo imperador (opinião este que é obviamente falsa, é consenso comum que São Libério rejeitou condenar Santo Atanásio, e por isso foi exilado)
Mas iremos tratar aqui principalmente daqueles que dizem que ele, após o exílio, por pressão do imperador, teria subscrevido uma fórmula ariana e excomungado Santo Atanásio.
Em primeiro, é um fato que a prioridade entre os historiadores propriamente católicos, ao tratar do Papa Libério, é sempre de defesa; são muitos os que se gastaram em defesa deste Pontífice.
Alguns Papas também chegaram a falar sobre o exílio do Papa Libério, entre eles está Pio IX:
«E anteriormente os arianos acusaram falsamente Libério, também nosso predecessor, ao imperador Constantino, porque Libério se recusou a condenar Santo Atanásio, bispo de Alexandria, e se recusou a apoiar sua heresia.»
(Beato Pio IX - Encíclica Quartus Supra, art.16)
Sócrates (o historiador eclesiástico, não o filósofo grego) supõe que houve apenas uma perseguição, mas são duas que tiveram que ser admitidas: a primeira em 355, depois do Concílio de Milão, após o qual ocorreu o exílio de Libério, a intrusão de Félix, o triunfo de Constâncio, o pedido do povo romano e, finalmente, o retorno de Libério; e a segunda em 359, depois do Concílio de Rímini. Naquela época os emissários do imperador exerceram grande violência em todos os lugares para que a fórmula dos arianos fosse assinada e expulsassem os bispos católicos de suas igrejas.
Sócrates havia escrito dois livros de história eclesiástica com base no testemunho de Ruffin, e o seguiu em tudo em sua palavra. Mas, depois de ter lido o livro de Santo Atanásio, no qual lamenta suas desgraças e se queixa de ter sido exilado por calúnias, Sócrates refez todos os dois primeiros livros de sua História em sua totalidade, e em duas ocasiões diferentes. Na segunda vez, para complementar os materiais que Ruffin lhe fornecera, ele usou as obras de Santo Atanásio e outros escritos de personagens que participaram dos eventos de que falavam. No entanto, nestes dois livros, não mais do que nos outros, não há referência a uma assinatura ou adesão dada a qualquer fórmula pelo Papa Libério.
Quem faz esta análise é o próprio Padre Benjamim Marcelin Constant, em sua obra L’Histoire et l’infaillibilité des Papes, 1859, volume I, na página 256. Esta obra, que busca também fazer uma defesa do Papa Libério, foi premiada pelo próprio Papa Pio IX.
Vocês podem ler na mesma obra:
«Em 1684, Bossuet foi convidado por Luís XIV para compor a defesa da heresia galicana. Ele imediatamente empreendeu esse projeto, que lhe custaria tanto trabalho e lhe daria tão pouca satisfação. Em busca de qualquer coisa que pudesse invalidar a infalibilidade dos papas, ele logo encontrou a queda de Libério. Qual foi o resultado de seu longo exame desse fato? Seu secretário, padre Ledieu, nos ensina: depois de ter escrito e refeito vinte vezes o capítulo sobre Libério, ele acaba cortando-o completamente, por não provar o que queria.» (Padre Benjamin Marcellin Constant - L’histoire de l’infaillibilité des papes, Volume I, página 357)
Também invoco aqui a autoridade do Padre Louis Nazaire Begin, que futuramente seria cardeal, além de ser doutor em teologia e especialista em história eclesiástica, que após tratar das ameaças que os bispos estavam sofrendo pelo imperador, relata que:
«Isso não era tudo; tratava-se de ganhar o Papa para sua causa; o sucesso não poderia ser completo sem o consentimento do Romano Pontífice. Constâncio enviou sucessivamente vários emissários de reconhecida habilidade e encarregados de empregar todos os meios possíveis para dobrar Libério. Se não conseguissem, teriam que levá-lo à força. Mas nem os ricos presentes que lhe ofereciam, nem os estratagemas diplomáticos, nem todos os seus esforços combinados puderam abalar por um instante sua firmeza. Naturalmente ele teve que se resignar a partir para o exílio. Santo Atanásio nos informa que Libério se despediu de seus irmãos em Roma da maneira mais comovente e partiu.
Ele teve que ser preso em Milão. Ele teve um encontro muito tempestuoso com o imperador, que tratou Atanásio como um [palavra muito pesada para que eu deixe aqui] e um rebelde, fez ameaças ao Papa e deu-lhe dois dias para pensar. Libério permaneceu, como deveria, inflexível em sua fé e em sua primeira resolução. A cidade de Beréia, na Trácia, foi designada a ele como local de seu exílio. Ofereceram-lhe algumas moedas de ouro para suas despesas; ele os recusou com indignação. Teodoreto relata que no dia seguinte os guardas esperavam no portão do palácio imperial; um velho foi visto saindo dele, sozinho, pálido, acorrentado: foi Libério quem pagou por sua liberdade com seu apego à sua fé e ao seu Deus.
O imperador viu claramente que o uso da força material não lhe garantia nenhum sucesso real» (Padre Louis Nazaire Begin - La primauté et l’infaillibilité des souverains pontifes, página 162)
«Libério voltou a Roma com aplausos de toda a cidade; a alegria era universal. Felix foi duas vezes expulso; não pode mais ser visto entre os muros da cidade, tão grande era a animosidade do povo romano contra aqueles que se comunicavam com os arianos, e seu apego à doutrina católica e sua representação.
Em meio a essas lutas, os arianos se dividiram em duas facções: os arianos puros (anomeanos) e os semi-arianos (ou arianos moderados). O imperador, que mal tinha visto o retorno do pontífice, prontamente se rendeu a pedido dos sectários, que desejavam realizar dois concílios: um no Ocidente, em Rímini, outro, no Oriente, em Selêucia. O Papa não tomou parte nisso, nem por si mesmo nem por seus legados. Em Selêucia, prevaleceu o semi-arianismo, apesar da firmeza e da ciência dos bispos católicos, entre os quais Santo Hilário de Poitiers, então exilado. Em Rimini, o imperador apresentou uma fórmula de fé ambígua, suscetível de um sentido católico, mas que também poderia dar um flanco ao subterfúgio ariano; os bispos foram obrigados a assiná-lo, sob pena de exílio. Depois de muita hesitação em pagar maus-tratos, eles aceitaram esta forma, mais por amor à paz do que por abandono da verdadeira doutrina [uma vez que o texto podia ser lido católicamente]» (ibidem, página 166)
«O Papa Libério, sempre ligado à ortodoxia, declarou-se formalmente contra o Concílio de Rimini, e enviou sua sentença às províncias. Os bispos, dóceis à voz de seu líder, imediatamente repudiaram todos os atos desta assembléia, repudiaram as sutilezas equívocas dos arianos e protestaram que nunca haviam dado a esta fórmula de Rímini o significado que lhe deram seus adversários. Esta conduta firme do Papa, aliada aos esforços incessantes de Atanásio e Hilário, que haviam retornado do exílio, não só perturbou a alegria da vitória temporária que o erro acabara de conquistar, mas também trouxe de volta a maioria dos cristãos à Ortodoxia.
Nesse meio tempo veio a morte do imperador. Seu sucessor, e Valens, ainda em guerra com os católicos, encontraram uma maneira de enviar Santo Atanásio para o exílio duas vezes, mas a luta estava quase no fim.» (ibidem, página 167)
«Agora, senhores, que lhes recordei as várias fases pelas quais passou o arianismo, bem como os principais personagens que participaram dessa gigantesca luta, é hora de responder à pergunta que me fiz no início:
O Papa Libério caiu no arianismo? Eu respondo categoricamente: NÃO.
Vou expor com a maior clareza possível os argumentos que militam a favor deste Pontífice, e depois resolverei todas as dificuldades que nos são propostas.
O pontificado de Libére pode ser dividido em três épocas principais: antes, durante e depois de seu exílio.
I. É certo que antes de seu exílio, Libério foi um dos mais calorosos e brilhantes defensores da fé nicena e do grande Doutor Atanásio. O relato que lhe dei do progresso do arianismo, um relato baseado em historiadores contemporâneos de Libério, ou muito próximos da época em que ele viveu, é suficiente para estabelecer solidamente minha afirmação [segue-se uma longa argumentação que você pode ler por si mesmo].» (ibidem, página 168)
Agora vamos expecular sobre a seguinte questão: e se o Papa Libério realmente fosse culpado?
Certamente não se encontraria em seu magistério nada que comportasse erro grave, uma vez que os documentos assinados podem ser lidos de forma católica, e o teria assinado por medo; assim como também teria (supostamente) excomungodo Santo Atanásio por medo.
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